Foi apresentada oficialmente no CCB uma iniciativa extremamente louvável, estrategicamente pertinente nos seus conceitos e objectivos fundamentais, e fruto certamente de uma arguta e correcta perspectiva e visão alargada do estado de situação e desenvolvimento do Jazz no nosso país.
Já me pronunciei acerca do assunto, tanto aqui, como em outros sites e blogs, e era indispensável criar hábitos culturais em vários sectores da sociedade, nomeadamente entre os jovens urbanos e entre a população activa habitando fora dos grandes centros ou em zonas mais afastadas da faixa litoral. O JAZZ apresenta-se, pelas suas características de expressão musical universalista, pelo crescente número de praticantes, estudantes, festivais, e outros apontadores que cresceram em exponencial desde finais dos anos 90, em Portugal, como um dos produtos culturais com aptência inata para cumprir um papel relevante na criação e consolidação de novos públicos e na introdução e fixação dos tais hábitos de consumo regular de cultura entre os Portugueses, que, como já é habitual, apresentam dos mais baixos índices europeus de consumo de arte e cultura.
As razões são várias e entre elas está a ausência do ensino musical desde a escola primária; as taxas e impostos sobre os instrumentos musicais (ferramentas essenciais para se poder sobreviver como músico profissional...) equiparados a artigos de luxo; o IVA sobre os discos é superior ao que se aplica aos livros (porquê? um livro é cultura, um disco já não??); as playlists e desrespeito sobre a lei da percentagem de música portuguesa a passar na Rádio; o arcaico e estúpido conceito que os músicos estrangeiros são sempre melhores que os músicos nacionais, débil e insuficiente apreço pelos artistas "da casa" (tal como os santos, não fazem milagres? só existe excepção no caso dos jogadores de futebol, o que confirma a regra); a baixíssima auto-estima que grassa actualmente entre nós, e a que os baixos salários não são alheios, pois onde desencantar recursos para o bilhete do concerto, ou da entrada no clube de Jazz, se antes do final do mês o bolso já se esvaziou? - por outro lado, as discotecas e dance houses estão a abarrotar e reproduzem-se como baratas, e os disc-jockeys, vulgo dj's, ganham 5,6,10 vezes mais que os músicos - (gostaria que qualquer universitário pelo menos pudesse encaixar uma regra simples: de 3 em 3 noites de disco, 1 passava a ser destinada a: 1 concerto, ou 1 ida ao teatro, ou 1 visita a exposições de arte, ou mesmo 1 ida ao cinema, e, por favor, 1 ida a um clube de Jazz, ou café-concerto, ou música ao vivo... mas estou a sonhar acordado... ).
A iniciativa a que me refiro, ou seja, levar o Jazz, e preferencialmente, o Jazz praticado por músicos de Jazz Portugueses, que estão perfeitamente ao nível dos restantes europeus e americanos, (isto, dito pelos públicos e especialistas europeus e americanos, não se trata de auto-avaliação), a percorrer todos os municípios nacionais, com intuitos divulgativos, formativos, e criadores dos tais hábitos que acima descrevo. Não se confinando a uma edição, mas propondo uma periodicidade anual. Assim, várias zonas do país habitualmente arredadas de eventos jazzísticos, vários grupos e músicos portugueses de Jazz, terão ocasião de se encontrarem frente a frente, e, de um modo interactivo, partilharem aquilo que produzem e receberem aquilo de que carecem, porque o espírito também se alimenta, e fazer com que se ouça cada vez menos aqueles lamentos do tipo: - « Jazz? Hhhmmm... sabe, num sei se gosto... é que não percebo muito bem aquilo que eles estão práli a tocar, parece que tocam uns para cada lado... é..., não não gosto lá muito dessas músicas lá do Jazz, ou lá o que é.... », ou « Jazz? Ui, é muito chato, aquilo é só para intelectuais, é uma seca do caneco, para mim...»
Parafraseando Vasco Santana: - Jazzes há muitos, ó seu...
Por isso aplaudo a iniciativa, e estou disponível para explicar os diversos Jazzes, como acontece o diálogo entre os diversos instrumentos, enfim, quero ajudar a trazer para o Jazz mais apreciadores, plantar sementes de curiosidade e fomentar a abertura de espírito para passarem a perceber mais aquilo que ouvem. Na adolescência, só gostamos de bife com batatas fritas, o gosto evolui, mais tarde... ninguém gosta de cerveja ou de whisky da primeira vez que se prova... ninguém nasce ensinado...
Penso que os músicos têm responsabilidades, enquanto agentes socio-culturais, e algumas delas são o didatismo, a divulgação, a formação do gosto e da capacidade de fruição da Arte. Ou, se quiserem, empenharem-se em ensinar ou mostrar pistas para que cada vez haja mais pessoas a tirarem prazer através da audição de música tocada ao vivo. Jazz, neste caso.
Bravo pela iniciativa lançada, cujo logotipo encabeça este post, e que se chama PORTUGAL JAZZ - FESTIVAL ITINERANTE DE JAZZ.
mais info em:
http://www.portugaljazz.org/