22.10.09

Breve História do Jazz por Jorge Lima Barreto

O jazz como afirmada tipologia musical do Século XX deve ser considerado não apenas um fluxo independente mas antes síntese e incorporação de inúmeros géneros, movimentos e, sobretudo, paradigmas musicais.
Os blues são o rizoma do jazz, pela idiomática, nas suas harmonias transversais e insólitas e, psiquicamente, nos valores sentimentais; o jazz, paralelamente ao gospel, aos espirituais, nasceu como uma tipologia do cancioneiro negroamericano, que é a sua raiz; apropriação da notação europeia, com gradações emocionais da textura tímbrica; formalismo que evoluiu do ragtime, de ritmo desgarrado e sincopado, do boogie woogie, percussivo e cadenciado e, do estilo burilado do stride (2 - The Lyon Smith). Delta de aculturações, padronizou conjuntos instrumentais, congeminou harmonias e dissonâncias específicas, implantou um regime pulsional empolgante num fluxo epigonal dito mainstream (1- Hawkins).
O jazz absorveu para a sua própria gramatologia inumeráveis enredos da música de massas mundial (ritmo, estrutura, semântica da canção, instrumentação, e.a.); galeria de executantes virtuosos, prodigalizou melodias,; também uma vertente do entretenimento e da música popular de dança, logo foi propalado pela rádio e pelo disco e conheceu várias etapas no seu processo histórico:
O jazz clássico foi inaugurado pelo estilo New Orleans, com texturas polifónicas, subministradas por ritmos fortemente acentuados e simétricos; no swing, pulsação taquigráfica (4 - Peterson), break, canto onomatopaico e rimado, foi marcado pelo apogeu da big band, grande orquestra (3 - Ellington/ Basie), que normalmente dispensava o sinfonismo das cordas.
Logo a seguir ao fim da II Grande Guerra, surgiu o be bop, projecto intelectual do jazz moderno, expressionista, jogo de acordes, ritmo dialéctico (6 - Monk); escola similar foi o cool, integracionista ,de humor melancólico, poético, a balada como forma dominante (7 - O´Day); houve estilos disjuntivos do bop como o west coast, de tintagens tropicais e cinemáticas (9 - Brubeck); o progressive, experimentando técnicas superiores de composição e arranjo; a third stream, fusão morfológica e estrutural do jazz com músicas clássicas (8- Modern Jazz Quartet).
O hard bop ou funky adjectivou o bop com enredos místicos dos blues, do gospel, da soul, (5 - Ray Charles) discurso palimpsesto com síncopes incisivas, um regresso metonímico à tradição religiosa, reivindicação etnocultural (10 - Kirk)).
O modalismo, isto é, a adopção de escalas exóticas (13 – Miles Davis), caracterizou o jazz das décadas seguintes, com notáveis texturas tímbricas e suplementado de insinuantes invenções rítmicas (15 - Lloyd) .
No início dos anos 1960 aconteceu a rotura do jazz contemporâneo perpetrada pelo free jazz, cacofonia, grito, sismografia; modos extravagantes (11 - Mingus), fluxo do delírio à deriva de ritmos assimétricos (12 - Moncur III), contestação sociocultural e política .
No jazz rock coabitaram duas linguagens implantadas sobre a vivacidade dos ritmos binários e complementadas pela panóplia electrónica (14 - G. Burton).
Desde o último quartel do século XX detectou-se a corrente revisionista do neomodernismo, devotada ao tema standard, escolaridade na era do computador, involução irrevogável do academismo, generalização rebarbativa nos limites do branqueamento do jazz.
O jazz disseminou-se em todo o planeta e, uma frente vanguardista e diaspórica, na pósmodernidade, tem proposto o estilo múltiplo e poliscópico, renovação enérgica da linguagem instrumental (16 - P.Bley), encantatória e permanente deste discurso vívido (18 -J. Coltrane).
O jazz é avatar do experimentalismo e do conceito de obra aberta; intuição do instante, constelação de compositores-intérpretes (19 - Jenkins); passarela de instrumentistas excepcionais, construtores do bizarro, virtuosos do epigrama (17 - Cherry); emancipou-se como música/ performarte, concebeu um espaço autónomo e atípico da vertente solística e/ou colectiva, com técnicas audaciosas e conceptualizações esquisitas (20 - Haden/ C.Bley); hoje é uma formidável formulação musical na pósmodernidade.
Afinal o jazz advém da cultura migratória e multirracial, é partitura real dum folclore imaginário.

JORGE LIMA BARRETO