24.12.06

Cinco Minutos de Jazz

Se tiverem tempo (e se lembrarem), podem ouvir este vosso amigo "a tocar tenor & a falar com José Duarte" - foi este o "headline" por ele escolhido para abrir cada uma das 10 emissões do "Cinco Minutos de Jazz" que irão para o ar bi-diariamente (17.53h e 22.53h) de dia 8 até dia 19 de janeiro de 2007.

Nos dias pares ouvir-se-á o tal tenor num tema gravado ao vivo, nos ímpares falaremos do Jazz em Portugal, do seu ensino, do que tenho feito nos últimos 30 anos, do que espero e... do que desespero ao ver a lentidão com que o Jazz se vai construíndo, e a pouco e (muito) pouco se vai afirmando e ganhando um público crescente, sobretudo entre as novas gerações, o que é um bom indício, mas as carências ainda são esmagadoras.
A actual proliferação de festivais de Jazz, um pouco por todo lado, embora possa parecer um sinal inequívoco de evolução, não tem, no entanto, reais efeitos práticos e dinamizadores da vida jazzística nacional, no que se refere aos músicos praticantes, sejam eles estudantes, amadores ou profissionais.
Algum possível entusiasmo, gerado pela assinalável crescente afluência de público a esses festivais, esvai-se quando comparativamente observamos a escassez daquele que frequenta os ainda mais escassos clubes e bares-concerto que existem entre nós.
E, quer queiramos, quer não, são estes locais e o "circuito", à escala nacional, que eles formam (ou melhor, que ainda NÃO formam), que constituem a estrutura-base, a armação de suporte que pode permitir a vivência diária, semanal, do Jazz português, possibilitando a actividade permanente de músicos e bandas, seja em concertos aos fins-de semana, jam sessions de domingo a quinta, abrindo espaço para os que se iniciam ganharem "calo", para que haja interacção entre apreciadores(as), melómanos, recém chegados ao Jazz, público em geral, divulgadores, musicólogos, radialistas, fotógrafos, jornalistas, artistas, actores, produtores, sonoplastas... tanto entre si, como com músicos (e estes entre si).
Só essas situações, só esses ambientes podem fazer fermentar e evoluir o Jazz que se ouve e se pratica entre nós.
... o músico do Algarve vai tocar em Viana; o músico do Porto toca numa Jam em Coimbra, com músicos que aí residem; uma banda do Barreiro actua no clube de Matosinhos, e após os concertos juntam-se-lhes músicos do norte; o trombonista dinamarquês que tocou no festival de Aveiro ás 22h aparece "round midnight" no bar-concerto local e acontece inesperadamente uma sessão fabulosa, memorável para quem assistiu e participou; aquele pianista americano de renome foi levado por um membro da organização daquele outro festival ao Hot Clube de Viseu, onde por acaso estava o trio de um guitarrista de Lisboa, e, tendo o pianista apreciado tanto a experiência, convidou-os para gravarem 4 faixas do seu próximo cd....
Isto são exemplos virtuais do que eu considero ser um cenário dinâmico de uma actividade Jazzística actual, pelos padrões europeus.
Possível e realizável no nosso país também.
Existem os músicos para tal.
Portugueses.
Em quantidade e de qualidade indiscutível, pelos mesmos padrões europeus (e globais).
Acabe-se de uma vez por todas com a execrável falta de auto-estima endémica que levava invariavelmente a considerar-se que o "estrangeiro" é sempre melhor que o Português, porque... porque é estrangeiro...!!
Falta apenas (derivado à ausência de hábitos culturais enraizados entre nós, um dos muitos efeitos "colaterais" e de consequências à la longue, com que os 50 anos de estupidificação salazarista contaminaram este país e este povo...):
que o público não vá apenas aos festivais, que vá surgindo nesses locais, pois muitas vezes presencia espectáculos tão bons ou melhores que nos grandes eventos (por vezes sessões únicas e irrepetíveis...), favorece de uma proximidade muito maior com músicos, podendo mesmo conhecê-los pessoalmente, com menos custos económicos e com maior fruição e intensidade vivencial... (experimentem pelo menos 1 fim-de-semana por mês, em vez da disco & dance..)
Tudo razões a favor da escolha de clubes para assistir a Jazz ao vivo, sem falar da impossibilidade de se estar a saborear um copo ou de trocar alguns comentários com a namorada ou com os amigos, no festival num auditório de centro cultural...
Did it crossed your minds??
Venham lá mais vezes ao clube e Jazz bar!!
Se afluir mais público, mais clubes vão abrir, mais músicos vão poder trabalhar, melhor e mais Jazz haverá para ver e ouvir...


Não cheguei a conseguir dizer algumas destas ideias, cinco minutos vão-se a correr e nem damos por isso!
Mas falou-se de Jazz. A ideia era essa, I think... Gostei bastante. Penso que o José Duarte também.

Cinco Minutos de Jazz
Estação de rádio: RDP Antena 1
E-mail: cincominutosdejazz@rdp.pt
Horários: segunda a sexta - 17.53h e 22.53h
Autor: José Duarte
desde 8 até 19 jan 2007:
Convidado:
Rui Azul - saxofonista

14.12.06

"Simply Blues" nights...

Caso vos interesse, vou resumir o que foi acontecendo nas noites do festival.
Na noite de 4ª feira, dia 6 de Dezembro, coube-nos - Minnemann Blues Band - abrir as "hostilidades", estreando a nova formação, que integra agora o trompetista cubano Alex Rodriguez, e penso que tivemos uma excelente interacção com o público, que compareceu de modo a ocupar talvez 60% da capacidade do Teatro Sá de Miranda, facto que no entanto, não impediu os presentes de se divertirem, como por exemplo no tema que começou com uma introdução de sax "à capella", no qual apareci vindo da última fila da plateia, segui pela coxia central, sentei-me numa das cadeiras, aproveitei para inserir a melodia do malhão no "discurso"(em homenagem ao Minho e a Zé Pereira, alfaiate, minhoto e tocador de bombo. Sim, porque nem bombeiro nem bombista soa bem... - conto essa estória um dia destes), e isto sempre acompanhado pela marcação rítmica do público, que o fez no sítio correcto (o Cenoura ajudou, indicando-lhes onde era que deviam bater as palmas...), subi para o palco sem parar de tocar e finalizamos com "Relax Your Mind". Regressamos para 2 encores, com o entusiasmo do público sempre em crescendo.
Na noite seguinte, 5ª, Louisiana Red (an old-timer bluesman) trouxe-nos a tradição do delta, sentado na sua cadeira, que os anos já pesam e o jetlag também... No final grande parte do público saía do Teatro directamente para o Café-concerto por uma porta de acesso e por volta da meia-noite e meia ('round midnight...) começàvamos a tocar, para acabar... entre as 3 e as 4, porque o entusiasmo dos presentes impelia-nos a continuar. Apenas nessa noite de 5ª, não houve jam session com os músicos que actuavam no Teatro (talvez pelas razões que referi acima), mas na sexta, a loiríssima Ana Popovic fez questão de tocar connosco, e fazendo concentrar todos os olhares sobre o seu belo e desnudado umbigo que se vislumbrava logo abaixo do corpo da guitarra, tocou alguns blue-rock (sobretudo em Mi7) e dirigiu-se a mim para que eu improvisasse com ela, e assim solamos, sax e guitarra, alternando de 4 em 4 compassos... Acontecia, finalmente, Jam Session, no 7º Festival Simply Blues! Ana Popovic, de Belgrado, fez questão, antes de abandonar o palco, de incentivar o público para que nos aplaudisse intensamente: -" Congratulations, you people got these really fantastic musicians in your own country, so give them a big applause, 'cause they deserve it!...".
Curiosamente, na noite seguinte, o mesmo sucedeu com Sherman Robertson, bandleader, guitar player, afro-american (como se diz nos EUA) & bluesman, exibindo um chapéu de cowboy (daqueles com o topo plano e com chapas ovais de metal dourado a decorar a fita do chapéu) e um bigodinho à Clark Gable. Depois de actuar no teatro, também fez questão de tocar connosco, após ouvir-nos durante alguns temas. Após ele ter tocado um blues em Mi, pedi-lhe que escolhesse outro tom para os temas seguintes (é que para o saxofone tenor, um blue em Mi significa ter que improvisar em Fá sustenido, pois o tom de guitarra ou piano, o "concert key" tem de ser transposto dois meios tons acima, no caso do tenor e do soprano. Claro que consigo solar em Fa#7, mas a dedilhação é mais "chata", logo existe menos fluidez no fraseado...), e assim seguiram-se em C7 e A7 (Ré de 7ª e Si de 7ª para mim) mais dois temas, e, tal como a Popovic, também ele me "desafiou" para solar em diálogo, e penso que me safei de modo a... "defender honrosamente o prestígio dos músicos portugueses" (...vá lá, não gozem, pois foi mesmo assim que algumas pessoas se expressaram, enquanto me davam os parabéns no final...).

Levamos a assistência ao rubro, os flashes sucediam-se, junto ao palco dançava-se, os gritos de aprovação e incitamento não abrandavam, e, igualmente, ele insistiu para que o público acarinhasse os seus músicos, ou mais concretamente, o António Mão de Ferro na guitarra, o Rui Cenoura na bateria, o ManuZé no baixo, o Wolfram Minnemann ao piano e voz (vive entre nós à tanto tempo que já o definem como... luso-germânico...), e um tal de Rui Azul no sax (este vosso amigo)...
Membros da organização, espanhóis com largo historial em organização de concertos, nas áreas do Jazz e Blues, referiram que não só fomos a banda portuguesa com melhor prestação, no conjunto dos 7 anos de edições do festival, como uma das bandas que obtiveram mais adesão do público, a nível global de todas as actuações, tanto de nacionais como de estrangeiros. Bem, também acho que estivémos particularmente inspirados, e demos "o litro", mas essas apreciações são sempre muito subjectivas, vindas dos próprios intervenientes, só que desta vez toda a gente foi unânime, inclusivé músicos das bandas americanas...
Espero que isto possa vir a ser um sinal de mudança na mentalidade do público português, que ao contrário do que acontece com os naturais de outros países, NÃO "torce" pelos seus compatriotas artistas e músicos, chegando até a estabelecer o preconceito de que qualquer músico estrangeiro é sempre melhor do que um músico português, ...apenas....porque é estrangeiro!! Mas só admitem o contrário, se, e só se, forem os "estrangeiros" a afirmá-lo!
Por fim, quero ainda destacar o trompetista cubano Alex Rodriguez, que se estreou (e bem) na Minnemann Blues Band neste festival.

Obrigado por me aturarem e desculpem algo que vos possa parecer... alguma "imodéstia", da minha parte, mas é sempre agradável que, quando um músico toca bem, haja quem dê por isso... Rui Azul

22.11.06

Sentir e praticar o Jazz - 2ª parte

• Estabelecendo o ponto da situação, verificamos:
A estética Jazzística que tomei como definidora do rumo a percorrer é formada por elementos provenientes de diferentes estilos fundamentais dentro da história cronológica do Jazz. Funcionam como as fundações de uma casa, e como pilares de sustentação, temos:
• Mainstream (ou middle-jazz) e Swing
• Blues (Worksongs, Gospel e Early Blues)
• Be Bop (+ Funk Jazz, West Coast e Soul Jazz)
• Free (e New Thing)

acrescentaria:
ETNO JAZZ
Esta outra componente consiste em adoptar elementos e referências pertencentes às músicas étnicas, utilizando escalas menos habituais, como a árabe, bizantina, flamenco, oriental, hindu, as pentatónicas africanas, etc..; introduzir cadências rítmicas em tempos compostos, 5/4, 11/8, 7/4, etc..., variando assim do usual quaternário ou ternário, e recordar que o Jazz alargou-se a sabores latinos, afro-cubanos, com colorações vindas das antilhas, da América do Sul, a Salsa Jazz, Bossa Jazz, assim como é de explorar a variedade tímbrica que fornecem os instrumentos étnicos, shenai, rhaita, flautas de bambú, tablas, timbales, temple blocks, darbooka, djembé, cítara, tamboura, uma miríade infindável de instrumentação utilizável, acrescentando variedade tímbrica alternativa à habitual panóplia usada pelos músicos no Jazz, sem esquecer, claro, os de criação mais contemporânea, que recorrem à electrónica, desde o órgão e o piano eléctrico aos samplers, controladores de sopro MIDI e outros processadores de som digitais.

• Neste ponto vou ao encontro daqueles que defendem que o Jazz que se faz hoje em dia deve reflectir o mundo actual em que estamos inseridos, de e-mails, ipods, gps, software & hardware, para permanecer vivo e actuante, destacando-se daquele que cumpre apenas uma função preservadora, como se de um "museu do Jazz" se tratasse.

• Relativamente à interacção com aqueles para quem a arte é criada e se destina, o músico deve estar atento ao seu público, até porque a sua arte não é um acto egoísta, criando apenas para si próprio, para quem está sobre o palco ou só para um punhado de fãns. Não se leia aqui que defendo que se o deva tornar mais simplista, mais acessível a todos, mais "vendável", mais mercantilista, pois o risco é grande de deixar de ser arte para se tornar um produto de mercado. Também uma posição radical, oposta, não é isenta de tender para a anulação da arte em si, pois penso que fechar-se num hermetismo é o mesmo que adorar o próprio umbigo, auto limitar-se, reduzir o campo de visão, e automaticamente, impedir qualquer tipo de realização artística. Coltrane afirmou: "Penso que a música pode elevar a mentalidade individual, pode desenvolver formas de pensamento superiores".
Por outro lado, algumas convicções que tomamos por inabaláveis aos 25 ou 30 anos podem e tendem a modificar-se, o tempo possibilita que observemos as questões de outras perspectivas, a partir de diferentes ângulos e pontos de vista.
Lembro-me de ver um concerto do Archie Shepp em 75 (76?) na Festa do Avante, ao tempo, ainda na Fil, ou melhor, quase só ouvir, porque entrou de costas para o público, numa atitude visivelmente de superioridade arrogante sobre o público "branco". Fez-nos ouvir o Free que praticava na altura, rude, gutural, enraivecido, revelador do seu modo de ver a sociedade e o mundo, na época.
Volvida uma década e tal depois, o mesmo Shepp brindar-nos-ia com um par de belos álbuns, um de trechos de Charlie Parker reinventados ao seu jeito, apenas com a companhia do contrabaixo do excelente NHOP, infelizmente já desaparecido, e o outro de parceria com Horace Parlan no piano, com deliciosos blues tradicionais, e ambos os registos, se não nos antípodas, porventura estão seguramente a muitos graus de longitude da música que ouvi naquele ano, na FIL. Charles Lloyd é mais um, entre muitos outros exemplos de passagem temporária e datável pelo Free.
Algo paradoxalmente, o mesmo músico pode praticar, em épocas distintas do seu percurso, estilos bem diferentes.

O Jazz é também, e sobretudo, uma música que reflete a vida de quem o toca, expressa sentimentos, emoções e vivências, um autêntico retrato sonoro da personalidade de um músico.
Nisso consiste uma das várias características ímpares inerentes ao Jazz e um dos seus imensos atractivos, para mim e para muitos outros músicos, melómanos e apreciadores em geral desta forma de arte surpreendente.
O "som da surpresa", como alguém lhe chamou.
Fim da 2ª parte (continua)
Rui Azul

nota - as ilustrações e pinturas que acompanham este texto, aliás como todas as publicadas neste blog, são originais do autor, executadas entre 1985 e 2006.

21.11.06

19.11.06

Sentir e praticar o Jazz - 1ª parte




Aquilo que estabeleci como linhas definidoras do percurso e do que tento pôr em prática, e que penso ser similar ou conter afinidades com o modo de encarar o Jazz de outros músicos, vai na esteira e recolhe elementos do rumo praticado e traçado por diversos músicos, desde Charlie Mingus até à actualidade.
A Mingus Dinasty ou o seu Jazz Workshop é um bom exemplo de como uma banda pode servir de escola formativa e pôr em prática a continuação do legado estilístico de um músico, ao mesmo tempo que cumpre as funções de rampa de lançamento para as gerações seguintes de improvisadores e criadores (poderia citar outros casos, como os Jazz Messengers, ou mesmo a Liberation Orchestra de Charlie Haden...).
Foi o caso de uma dupla que acompanhou e gravou com o próprio Mingus durante vários anos, e passou pela Dinasty: o saxofonista George Adams (que tive o prazer de conhecer e conviver algumas semanas em 1980, quando vivi em Roterdão*) e o pianista Don Pullen.
Absorvi das conversas inesquecíveis que mantinha com Adams (recheadas de recomendações e ensinamentos com que me bombardeava pontualmente**), da audição dos seus discos e da observação dos seus concertos, que o Jazz que praticam norteia-se pela compilação e utilização de material consistente (e com características de "terreno fértil" para germinar novas direcções) que é extraído e recolhido de diferentes estilos e correntes de Jazz:

• Uma das vertentes consiste numa ligação estrutural e processual ao MAINSTREAM, como definidor da linguagem jazzística, como denominador comum, assim como o pulsar do SWING (It don't mean a thing if... it isn't there, right?), ambos constituindo o que eu compararia ao "aparelho respiratório";

• Outra componente é a herança essencial contruída pelo BLUES, que corre nas veias do Jazz (e não só, também corre nas veias do Rock'n Roll, R'nB, Soul, Funkye, Rap, Hip-Hop,..), definindo estados de espírito, e componentes emocionais inerentes ao Jazz, e os reflexos da vivência material e espiritual do ser humano, expressos nas WORKSONGS e GOSPEL. Neste caso trata-se do "aparelho circulatório".


• Incontornável porque é inegável a sua influência (mais ou menos notória) sobre a improvisação de uma vasta maioria de músicos desde então, exercida pela renovação genial que Parker e seus pares trouxeram com o BE BOP. Tenho tendência a estabelecer uma ligação visual, pela cor, com o paralelismo da evolução na pintura e artes plásticas (impressionismo, expressionismo, cubismo,...) e o alcançar da modernidade estilística a meio do séc XX.
Patente ao nível melódico, com introdução de um novo fraseado discursivo que incluía notas de passagem não pertencentes à tonalidade de base e que "visitava" as extensões superiores dos acordes (nonas, décimas-primeiras, décimas-terceiras, quer maiores quer menores, 9#,9b,11#, etc..), acordes esses agora "expandidos" resultantes da criatividade musical de Dizzy, Bud Powell e Monk, entre outros, evidenciando as novidades também ao nível harmónico. Funcionam como "agents provocateurs" e agem sobre os sentidos - visão, audição.

• No plano social, a arte enfrenta responsabilidade enquanto agente cultural, forçando o artista a tomar consciência do seu papel perante a sociedade, ao recusar alhear-se egoísticamente ou anular-se numa prática de arte pela arte esvaziada de conteúdo.
A força da irreverência, o direito à indignação, os gritos de revolta libertadora, a abertura das consciências para novas formas de pensar e de encarar a sociedade e o mundo.
A beat generation, os movimentos anti-racistas de Luther King e Malcom X, o "Make Love Not War" dos pacifistas , e enfim, o inconformismo generalizado prenunciaram o aparecimento do FREE JAZZ e da NEW THING.
Penso que a ainda existência de algumas dessas premissas justificam indubitavelmente que elementos dessa estética do Jazz sejam englobados na prática jazzística actual. Porém, não de um modo indiscriminado, aleatório, desprovido de significado, mas encarada pelo músico como uma ferramenta de expressão, de clímax, de alerta, indignação, ou revolta. Cito exemplos dessa utilização nos discursos improvisacionais de George Adams e Don Pullen, ou de Roland Kirk, e de uma forma mais intensa, em Eric Dolphy.
Não pretendo ser redutor e limitar o free a esporádicos aparecimentos pontuais, pois são patentes as suas influências em casos de improvisação colectiva (aqui comum também no Dixieland e New Orleans), ou quando os músicos se propôem improvisar sem se sujeitarem a uma pré-determinada tonalidade, ou instituírem uma estrutura como base de apoio ou pretexto para improvisação, o mesmo se aplicando a uma cadência rítmica fixa ou previamente estabelecida.

• Fim da 1ª parte (continua)
(* e ** - abordarei mais em pormenor no final da 3ª parte estas vivências que desempenharam um importante papel para mim, enquanto músico de Jazz.)
Rui Azul

1.11.06

NO MORE BLUES


Tenho ficado admirado com extrema raridade com que, na "nova" geração de músicos de Jazz, escolhem um BLUES para tema numa Jam Session. Qualquer Song, de formato AABA ou "Rhythm Changes" (assim chamados porque baseados na estrutura harmónica do "I Got Rhythm", de Gershwin), preferencialmente em tempo médio e médio lento (que se torna "ainda" mais lento para o final dos solos...), é uma das escolhas unânimes, pelo que acontecem às meia-dúzias de enfiada, provocando bocejos e debandada entre a assistência a partir de certa altura.
What's up? No More Blues? Porque será que não gostam lá muito de tocar Blues? Será que os acham demasiado simples, só com 12 compassos, uma sequência harmónica facilmente adivinhável? Ou porque nos Blues é necessário colocar uma estética assumidamente "bluesy" (perdoem-me a redundância), com características e ingredientes que não dominam e nos quais não se sentem muito à-vontade? É que os BLUES são um dos pilares essenciais do Jazz, a raiz de onde ele brotou e onde está o seu ADN, como aliás de uma larga maioria das tipologias musicais que se foram ouvindo desde há oitenta e tal anos para cá, porque sem BLUES não teria havido Stevie Wonder, Jim Morrison, Stones, Hendrix, Jethro Tull, Rock'n Roll, Motown, Blue Jeans, Suede Shoes... isto para não ter que relembrar o Boogie-Woogie, Ragtime, Dixieland, Swing, Big Bands, Duke, Basie, Bird, Dizzy, Monk, Miles, Trane,... Only Gershwin, no W.C. Handy? Mas... mesmo os manos George and Ira, também... "Rhapsody in Blue"..., para além do I Got Rhythm (changes)...
E já ouvi argumentações a desfavor (vindas de músicos e de não músicos), tipo: -« Não sei, mas parecem-me sempre a mesma coisa, muito monótonos...» ??? A mesma coisa??? Pois bem, digam-me uma outra forma, uma outra estrutura de acordes, só com 12 compassos (em regra), que da Tónica (I) sobe à Quarta (IV), regressa à Tónica, sobe à Quinta (V), desce para Quarta (IV) e desagua "again" na base, ou seja, estruturalmente bastante básico (também o é juntar amarelo com azul, dá sempre verde, mas esse verde depende do tipo de amarelo e do de azul, see what I mean?), mas mesmo assim, tão "simples", que conseguiu metamoforsear-se em aspectos, arranjos, estéticas tão diversas como (e agora, vão-me perdoar de novo, mas todos os títulos que se seguem são BLUES, o que difere é o tempo (rápido/lento), arranjo, instrumentos, timbres, abordagens, e uma imensidão de características que podem ir da tonalidade ao penteado do cantor, da década ao compositor, da letra (lyrics), à sua ausência, e por aí fora...:
St Louis Blues (W.C. Handy); Rock Around The Clock (Bill Halley & his Comets); All Blues (Miles Davis); Back in USSR (Beatles); Billie's Bounce (Charlie Parker); Cars Hiss By My Window (Doors); Red Top (Lionel Hampton); Sunshine of Your Love (Eric Clapton); Work Song (Nat Adderley); What'd I Say (Ray Charles); Mr P.C. (John Coltrane); Green Onions (Brooker T. Jones); Blue Monk (Thelonious Monk); Cosmik Debris (Frank Zappa); Footprints (Wayne Shorter); Get Off My Back (B.B. King); Tenor Madness (Sonny Rollins); Mellow Yellow (Donovan); GoodBye Porky Pie Hat (Charlie Mingus); Highway Chile (Jimmy Hendrix); Follow Your Heart (John McLaughlin); Señor Blues (Horace Silver); Get Smart Theme (.?..série Olho Vivo); Empty Bed Blues (traditional); The Blues Walk (Clifford Brown); Stormy Monday (John Lee Hooker); Boogie Woogie Blues (Jelly Roll Morton); Blues for Newport (Dave Brubeck); Great Balls of Fire (Jerry Lee Lewis); Night Train (King Curtis); Honky Tonk Woman (Rolling Stones); Whims Of Chambers (Paul Chambers); Johnny B. Good (Little Richard)...
Se conseguiram lembrar-se de uns tantos, são ou não tão díspares como um Ford T e um Jaguar E? Não é?
Eu cá por mim continuo a ter muito prazer em ouvir e tocar BLUES, embora o facto de me chamar Azul não passe apenas de uma curiosa coincidência ...

28.8.06

JAZZ WORKSHOP


Muitas pessoas, músicos e melómanos me questionam sobre a possibilidade de poderem ter aulas individuais de saxofone, de improvisação, de Jazz, no fundo, mas focalizadas ou aplicadas especificamente a um estilo, a um músico, a um tipo de temas ou até a algumas determinadas dificuldades que encontraram em improvisar determinado standard, em melhorar a sonoridade ou, por exemplo, solar sobre Blues quando acompanham um guitarrista.
Realmente não se encontra facilmente resposta eficiente a este tipo de questões nas escolas de música ou de Jazz, e é concerteza demasiado inscrever-se num curso ou ter aulas colectivas durante um ou vários anos para o efeito, sobretudo se tiverem que chamar o professor à parte no final para enfim conseguirem abordar os assuntos que vos interessam...
Pensando nestas situações, decidi-me por fim disponibilizar-me a transmitir aquilo que sei e que fui (e vou) aprendendo ao longo destes 30 anos como músico e a auxiliar na descoberta das soluções para as dificuldades específicas com que músicos e não-músicos se venham a debater ou que os impeçam de alcançar determinada meta que propuseram a si próprios. ( Ajudar a encontrar, sim, porque estou a anos-luz de saber tudo, e todos os dias aprendo algo novo...)

17.7.06

JAZZ E OS SEUS MÚSICOS EM PORTUGAL

• FIXAÇÕES DE ALGUNS MÚSICOS PORTUGUESES (e não só):

Ao longo de vários anos, resultado do contacto pessoal e directo, fui-me apercebendo que uma larga percentagem dos músicos portugueses que praticam Jazz (nos outros a percentagem é ainda maior) é notoriamente ignorante, ou pelo menos decepcionantemente desconhecedor da História do Jazz, da sua evolução cronológica, das suas correntes estilísticas e respectivos representantes.
Nas escolas onde se ensina e lecciona Jazz só muito recentemente se introduziu a disciplina "História do Jazz". Sei-o, porque uma década atrás propuz-me leccioná-la, acrescentando "& Estética da Improvisação". Em resposta à proposta, na E. de Jazz do Porto dissuadiram-me, afirmando que poucos alunos se inscreveriam nela, e consequentemente, não haveria verba suficiente para me pagarem. Apesar de terem elogiado, tanto a proposta que redigi, como a descrição detalhada da matéria que a disciplina abordaria. Gostaram tanto que me perguntaram se delas poderiam usar extractos para inserir num pedido de subsídio que estavam a preparar para enviar ao Ministério da Cultura ! Mas de História, nada feito ...!!!
Seria inconcebível que uma escola de cinema, por exemplo, não se ministrasse a cadeira de História da 7ª Arte! Frequentei a Faculdade de Arquitectura e a de Belas Artes, e em ambas tinha cadeiras de História e também de Estética. No Conservatório estuda-se História da Música Clássica (e Contemporânea, penso).
No caso do Jazz, não acontece (ou não aconteceu durante anos) o ensino Teórico - Histórico.
Conheço músicos que têm uma vaga ideia que existiu o Dixieland, anos depois o Be-Bop e... chegamos aos nossos dias. «Ah! É verdade, dizem eles, esquecia-me da Fusão!». Lamentável, no mínimo...
Que sucede, então? O candidato a aprendiz de guitarrista, pianista, saxofonista, etc, escolhe o seu Músico de eleição, compra todos os discos gravados por ele que descobrir, edições de partituras com transcrições dos seus solos, começa a tocar com os discos, tira frases nota por nota, compra um instrumento da mesma marca e modelo que o seu ídolo, chegando por vezes ao cúmulo de vestir-se e usar o cabelo de modo idêntico, num esforço patético de se lhe assemelhar em tudo!
Uns 10 a 12 anos atrás, no caso da guitarra, enxameavam hordas de Pat Metheny(s) portugas. Observei casos exibindo a incontornável camisola de riscas horizontais, cabelo grande encaracolado, a mesma guitarra, pedais e efeitos, o mesmo som, tipo de fraseado, etc... Qual o interesse de ouvermos (como diria Zé Duarte) uma espécie de imitação da fotocópia da xerox do Metheny? Também descortinei Al di Meolas e Georges Bensons, entre outros. Indagados se alguma vez teriam ouvido falar de Charlie Christian, Sonny Sharrok, K. Burrell ou Attila Zoller, indubitavelmente obteríamos desses guitarristas com fixações algo como: « Quem?» e que não, que tinham discos de outros guitarristas para além do ídolo, como... como... Paco de Lucia ou John Mc Laughlin.
Mudemos de instrumento, e não faltam teclistas para os quais Hancock, Corea e Jarrett são incontornáveis. Gigantes como Lennie Tristano ou Monk não são escolhas preferenciais para estudo e referências estilísticas de investigação e recolha. Quando pensamos no baixo eléctrico, observamos o processo mais simplificado de todos: antes e após Jaco. Quantas fretless (baixo eléctico sem trastes, como acontece no braço do contrabaixo) se venderam após a originalidade de Pastorious no seio dos Weather Report? Ou a contribuição da sub-espécie Fusion Jazz com o exageradamente utilizado "slap"(técnica que consiste em bater com o polegar numa corda, de um modo percutivo, originando um efeito de acentuação rítmica)? Quem toca ou se inspirou em Steve Swallow?
Passo aos saxofononistas, nos quais me encontro inserido: conheço mais coltraneanos e seguidores de M. Brecker que "sopradores" de outra qualquer reconhecível influência. Aconteceu-me no Festival de Jazz do Porto, em 92, ter sido escolhido para tocar antes de John Surman, talvez um dos nomes mais "fortes", nesse ano. Durante o check-sound, à tarde, tive oportunidade de travar conhecimento com esse excelente Músico britânico.
Tendo-lhe referido que se encontrava entre as minhas principais referências, retorquiu-me: -« Julgava que todos os jovens saxofonistas queriam tocar à Michael Brecker... És o primeiro que me diz isso...». Encontrei-me com Surman diversas vezes a partir dessa ocasião, e trocamos diversas opiniões e experiências no campo de processamento de som para saxofones. Não escrevo isto para me armar ao carapau (nem de corrida nem de passeio), mas tão-somente para ilustrar aquilo que desenvolvia com um caso verídico. Surman é uma das minhas várias influências, que vão de Webster e "Prez" até Rollins, passando por Dexter, os Franks (Foster e Wess) ou outro saxman, que conheci pessoalmente quando vivi na Holanda, de nome George Adams, que acompanhava (em discos) desde as bandas de Mingus, ou aquele que me fez passar da flauta para o sax (tinha eu 18/19 anos), o grande Roland Kirk. São referências minhas, mas nunca enveredei pelo caminho de copiar as suas frases ou de tocar à .... Serviram de alimento, de exemplos, de material de consulta e claro, que algo fica, como que por osmose. Mas tentei sempre seguir as recomendações contidas nos diversos manuais que encomendei à Berklee School of Jazz, e que posso sumariamente sintetizar:
" Escolham e ouçam os Músicos que mais vos agradarem, em diferentes ambientes e integrados em diversas formações (solo absoluto inclusivé), estudem-nos, absorvam essa informação, e transformem e digiram isso combinando com a vossa própria maneira de ser, de viver e de tocar. Reguem a planta que cresce no vosso interior, e acima de tudo, esforcem-se por serem singulares, únicos, distinguíveis, músicos originais com um estilo próprio. Esse é o percurso que fizeram aqueles "gigantes" que vocês hoje admiram. O real valor de um artista está na sua singularidade".
Mas para muitos esse caminho é árduo demais, e se decorarem umas transcrições de solos do Coltrane, se calhar em menos tempo vão dar nas vistas, ou melhor, nos ouvidos...
Mas só em terras em que os amantes de Jazz não são muito numerosos, ou seja: cá pela nossa terra, onde uma cidade com a população do Porto possui um único Clube de Jazz... (honra seja feita ao Hot 5!) Nuestros hermanos, para não ir mais longe, e para dar um só exemplo, na cidade de Valencia (menor que o Porto), usufruem de 3 ou 4 desses locais onde se pratica e disfruta essa forma de arte musical convencionalmente chamada Jazz. Além de outros locais e eventos que periodicamente também o fazem.
É que nas capitais do Jazz, de N.York a Estocolmo, de Paris a Chicago, de S. Francisco a Amsterdam, a fasquia é notoriamente superior, e qualquer jovem saxofonista que debite fraseado Coltrane tipo trabalho que se traz de casa, irá receber súbitos ataques de tosse, desinteresse ou puro abandono do lugar por parte do público, que é constituído por ouvintes mais conhecedores, por melómanos de longa data, enfim por ouvintes que preferem a surpresa de descobrirem um músico com características distintas que mais um dos muitos que, apesar de demonstrarem técnica apurada, esteticamente não transmitem nada de novo ou criativo.
Mas, por cá, ainda conseguem "épater le bourgeois... et plus ça devient vieux, plus ça devient bête". Espero que não por muito tempo mais...
Rui Azul

27.6.06

DJ's SUCKS!

Neste país paga-se melhor a alguém para ir colocando uns discos durante a noite do que a um músico para executar música no seu instrumento, ao vivo!
Comparem o tempo que cada um desses "profissionais" levou para masterizar o seu desempenho... Algo está profundamente errado nisto tudo!!!
Desenvolverei...

20.6.06

6.5.06

We Got Rhythm

A organização do CORTA! 2006 - Festival Int. de Curtas Metragens do Porto lançou-me o desafio que consiste em reinterpretar um tema musical incluído na "original soundtrack" de um filme. A minha escolha acabou por recair na genial banda sonora que George e Ira Gershwin compuseram para "An American In Paris". E, mais precisamente, no tema que encerra, em si mesmo, uma das principais estruturas sobre as quais o Jazz se foi construindo, e cuja sequência métrica e harmónica veio a ser conhecida como "rhythm changes", ou, trocado por miúdos: a estrutura harmónica do I GOT RHYTHM (sendo a outra estrutura nuclear em que o Jazz se apoia, a dos Blues = 12 compassos) .
Bom, não querendo arrastar isto para aspectos de teoria musical, vou apenas dar uma ideia daquilo que pretendo apresentar no festival:
O fio condutor prende-se com o facto de todos nós, mesmo antes de virmos ao mundo, vivermos rodeados de ritmo. Ou, melhor dizendo, de sons que se apresentam sob a forma de sequências repetitivas, a que se convencionou chamar de ritmos. Já no ventre materno temos a companhia do bater do nosso coração e do de nossa mãe. Os nossos progenitores, no acto de nos conceberem, executaram ritmos para alcançarem o clímax, enquanto as suas respirações aumentavam de... ritmo! Aprendemos a andar, o alfabeto, a tabuada, segundo fórmulas rítmicas. Desde as ondas do mar ao tiquetaque dos relógios, das gotas de chuva ao galope de um cavalo, as gargalhadas, as palmas, comboios sobre os carris, máquinas de escrever, o canto dos pássaros, a lista é infinita. Exemplos e extractos sonoros estão incluídos na composição, e escolhi várias imagens que serão projectadas simultaneamente, durante a apresentação, e exporei verbalmente estas noções, mas inexoravelmente, a dado ponto, terei que substituir a expressão verbal pelas notas do meu saxofone (é impossível aos instrumentistas de sopro falar ou cantar ao mesmo tempo que tocam...), que progressivamente irá dando pistas até chegar ao "I Got Rhythm".
Convido-vos a aparecerem (entrada é livre) no auditório da biblioteca Almeida Garrett, no Palácio, próximos dias 19 sexta, pelas 21:30 h, para "ouverem" o resultado...
http://www.corta.pt/2006_pt/index.php?bandas_curtas

4.5.06

singin' & playin' "da" blues

E, para quem gosta de BLUES, dia 8 Maio, 2ª feira, integro a
MINNEMANN BLUES BAND e vamos estar no queimódromo,
depois do Boss AC e dos Orishas, singin' & playin' "da" blues!!

30.3.06

Pirata do Ar (short story)

Aí fica o meu mais recente conto (curto). Fiquem à vontade para comentar, se for caso disso, é claro...


«- Alto! Que ninguém se arme em esperto, se não quer ir desta para melhor! Ei! Tu aí! Sim, tu de boné e farda, trata de mudar a rota e o destino e vamos rumo ao aeroporto de Trípoli, na Líbia! Já!!»
Todos os passageiros abriram as bocas de estupefacção, e fizeram-no com tal sincronismo que mais dava a ideia de o terem ensaiado até à perfeição. Com um ar completamente aparvalhado, o tal de boné e farda ainda esboçou um tímido:
«-Mas, mas...»
«-Nem mas, nem meio mas! Isto é um sequestro e aviso pela última vez que corto as goelas àquele que não colaborar. Tudo quieto e calado!» - berrou o assaltante, enquanto algumas gotas de suor lhe escorriam pela cara, patenteando o seu estado de extremo nervosismo. Vestia um blusão verde tropa, com uma pequena bandeira tricolor alemã num dos ombros, do género daqueles que os freaks e esquerdistas usavam muito nos anos 70. Uns jeans muito coçados, botas da tropa, um lenço árabe à Al Fatah e para rematar, um intimidador facalhão de mato com uma serrilha bem capaz de cortar uma das pernas a um piano de cauda. Ah! e os inevitáveis óculos escuros, claro. Enfim, o género de indumentária que inexoravelmente alertaria a segurança de qualquer aeroporto que se preze, mas o facto é que não foi aquilo que se passou.
«-Mas o treino que... que me deram não in...cluiu... não previu... assim... percursos desse tipo...» gaguejando, ainda se lamentou o tal do boné e farda, tremendo que nem varas verdes e agarrando-se ao manípulo com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
«-Bah! Desenrasca-te de qualquer jeito! Se for preciso reabastecer, paramos pelo caminho. Se recusarem a dar-nos combustível, aposto que mudam logo de ideias quando começar a atirar-lhes com um cadáver dum passageiro de dez em dez minutos!».
Uma senhora no extremo oposto do compartimento, que vinha já dando sinais crescentes de poder iniciar um ataque de histeria a qualquer momento, apesar dos esforços do marido, que a seu lado tentava desesperadamente acalmá-la, não se conteve mais e soltou um grito agudíssimo. O som foi prontamente abafado pela mão do não menos aterrorizado esposo, que sem se aperceber continuava a exercer tal pressão sobre a boca e o nariz da pobre mulher que o rosto desta começava a mudar de cor devido à gradual asfixia...
«-Páre, seu idiota!!» disse o sequestrador, dando conta do que sucedia «-Ainda acaba por matá-la e o único que o pode fazer aqui sou eu, e mais ninguém! Entendido?» completou, cuspindo ostensiva, grosseira e sonoramente para o chão.
Completamente a despropósito, veio-me à ideia naquele momento se o facto de os jogadores de futebol estarem constantemente a cuspir para o relvado não teria uma certa quota parte de responsabilidade nessa prática insalubre que se observa um pouco por todo lado, quase exclusivamente por parte da população masculina. Lembrei-me então de uma antiga namorada minha, que abominava positivamente presenciar tal espectáculo, chegando mesmo a interpelar e admoestar o responsável por tal acto hediondo, isto em plena via pública, o que quase nos trouxe dissabores, uma vez por outra, porque os machos latinos não gostam de críticas, pois sabe-se lá porque carga de água, acham que essa tal prática lhes confere uma postura de pretensa... "virilidade". É que há cretinos para todos os gostos...
Enquanto estes pensamentos estranhos e totalmente fora de contexto me assolavam o espírito, dei-me conta que alguém, sem que o assaltante notasse, conseguira efectuar uma chamada por telemóvel. Mantive a secreta esperança que a ligação efectuada não se destinasse apenas a avisar a respectiva mulher que concerteza iria chegar tarde para o jantar...
Quase de imediato, parecendo pressentir uma tal eventualidade, o "pirata" ordenou que todos os passageiros lhe entregassem os telemóveis, carteiras e outros objectos de valor, para o que desatou o lenço que trazia ao pescoço e o transformou numa espécie de saco para conter o saque acumulado.
«-E agora ponha isto a andar, rápido!». Passados instantes, começamos a subir. Ninguém se pronunciava, com medo de represálias, e apenas se ouvia o abafado ronronar do motor. Largos minutos mais tarde, sentimos um estremeção.
«-Que se passa?» gritou, empunhando ameaçadoramente o facalhão.
«-Não podemos subir mais...» respondeu o do boné.
«-Então mantenha-se a esta altitude.». Pelo canto do olho reparei que o careca a meu lado rezava, baixinho. De súbito, do interior do saco-lenço, um dos telemóveis rasgou o pesado e tenso ambiente, uma vez..., outra..., outra ainda...
«-Que raio?... 'Tou?!!» vociferou o assaltante, descobrindo por fim qual o telemóvel que tocava de um modo irritante, a melodia da..."lambada"
«-Ai sim? Sim, 'tou a ver... ainda bem... mas foi mesmo o coronel que mandou? Emissários especiais? Ok, ok, não, tudo bem...claro que sim, vamos aterrar,...quê? Sim, sim, não sei ao certo...», e virando-se para o homem fardado, despejou: «-Desça esta porra! Chegamos a Tripoli!!»
«-Sim, senhor, é para já...».
Iniciamos a lenta descida, e no ar pairava um ambiente de incerteza quanto ao desfecho de toda aquela situação. Quando finalmente nos detivemos, cá em baixo, as portas abriram-se de súbito e dois tipos avantajados envergando camuflados e lenços árabes dirigiram-se ao sequestrador tratando-o por irmão, enquanto soltavam vivas e desejavam longa vida ao coronel Khadaffi.
Num ápice, envolveram o "pirata" nos seus braços que mais pareciam troncos de árvore, retiraram-lhe a faca e o saco das mãos, aplicaram-lhe uma mordaça e enfiaram-no numa camisa de forças! Tão rápido que dava vontade de rebobinar e passar em câmara lenta, se na vida real pudéssemos dispor de tal recurso, para melhor observar certos momentos fugazes, como era o caso.
Retiraram então os lenços da cabeça, e ao despirem os casacos de camuflado pudemos verificar que por baixo envergavam batas brancas. Devolveram todos os pertences aos respectivos proprietários, e após nos desejarem a continuação de um bom dia, afastaram-se pelo vasto hall de entrada do enorme edifício, carregando pelo ar o sequestrador, que se debalde se debatia, esperneando furiosamente.
Todos felicitaram o ascensorista por, apesar de tudo, ter mantido algum sangue frio perante a situação, e quando finalmente abandonávamos o espaçoso elevador que servia os 80 e tal andares do arranha-céus, alguém comentou:
«-Vá lá, nem acabou mal... na semana passada, o meu cunhado aleijou-se mesmo, quando tentou fazer frente a outro doido destes, que raptou toda a gente que durante o intervalo estava nas casas de banho do cinema, pensando que estava a sequestrar o TGV Berlim-Paris...».

Rui Azul

12.3.06

4 supreme saxmen

Também não poderia deixar de mencionar as importantes e fulcrais fontes onde fui "beber" para crescer, "à bout de souffle"...
Da esq. p/ a dir: Bean, mais conhecido por Coleman Hawkins (reconhecem o jovem trompetista, atrás dele, na época com 18 anitos? Acabara de sair da Julliard, para se juntar aos seus ídolos, Bird & Diz!...); depois Newk, com corte à Taxi Driver, o colosso jamaicano, vulgo Sonny Rollins; Rahasan Roland Kirk, secção de sopros in one man (alternava por vezes para a flauta transversal, soprando-a pelo... nariz!... não, não estou no gozo, é mesmo verdade!) ; por último, herdeiro de Mingus, fundador da Dinasty, o inesquecível George Adams, que tive o prazer de conhecer pessoalmente e conviver durante uma série de noites (em 1980) no club B14 Jazz, em Roterdão, no qual eu tocava na Houseband (banda residente do clube), para além de ter desempenhado outras funções, como cozinheiro, pintor de murais/decorador e técnico de som, além de tocar sax na rua, durante o dia... (sabem como é que são os portugueses, a trabalhar no estrangeiro, e ainda por cima ainda não havíamos ingressado na CEE, na época... ia-me desenrascando como podia. Eu queria era estar por dentro da... jazz scene, you know, man, dig it? )

25.2.06

4 tenors



My special thanks to this 4 gentlemen: Ben, Dex, Joe & Prez. Major influence on my sax playing.

19.2.06

Sax surdina ou BIDÉSAX?

Quando deparei com esta nova invenção não sabia se desatar a rir se chorar. A 1ª hipótese venceu e as gargalhadas souberam-me divinalmente. É certo que tinha presente que o que me fez dedicar-me ao saxofone, na minha adolescência, para além da sonoridade e expressividade, tinha sido a sua magnífica forma, quase de nave espacial alienígena (quando observado segundo certas perspectivas, em close picado - tipo do interior dos caças quando sobrevoam a "mothership"... ), mas se, para aprender e treinar sem incomodar os vizinhos, tivesse que tocar num "bidet - shaped horn" ou BIDÉSAX, hoje tocaria French Horn, Bombardino ou Sousafone, para ser mais lusofónico, em vez da corneta que o sr. Adolphe Sax inventou, 166 anos atrás.
Só um nipónico para inventar um "gadjet" com um design tão pavoroso!! Note-se que não estou a criticar a utilidade de uma surdina para os saxofones, que, contrariamente aos seus primos metálicos Brass (trompetes, trombones, etc..), não dispunham de qualquer tipo de acessório que reduzisse a intensidade sonora eficazmente. Dá vontade de perguntar: Desculpe, mas não tem disto noutras cores?...

15.2.06

À Bolina no Bodyspace


Apesar de ter sido editado em 2005, o cd "À Bolina" tem sido objecto de análise sobretudo no ano corrente. Desta feita no especializado Bodyspace, um dos mais rigorosos e atentos sítios acerca dos eventos mais relevantes que surgem no mundo musical. É particularmente gratificante sentirmos que a arte que criamos através da persistência, empenho, esforço, bastantes "directas", notório emagrecimento e algum talento obteve algum reconhecimento por parte de críticos e especialistas imparciais. Ao ponto de não resistir a transcrever os seguintes excertos:
« Do pequeno, mas rico em polémica, mundinho do jazz português, Rui Azul é uma das personalidades menos evidentes mas ao mesmo tempo mais interessantes. ... », e ainda « ...Rui Azul viaja, sózinho, mas confiante no destino. E este disco, surpreendentemente, é uma ilha perdida no jazz português.».
Fica aqui o meu convite para lerem o restante texto e visitarem o interessante sítio chamado Bodyspace

11.2.06

5.2.06

À Bolina n'A Trompa


É espantoso como o bloguniverso está a impôr-se como novíssimo meio de comunicação social, complementando e mesmo substituindo as funções que "deveriam" caber aos tradicionais e instituídos órgãos da imprensa, rádio e televisão, que se alheiam muitas vezes de veicular a informação e divulgação sobre o trabalho dos artistas nacionais, apesar de serem pagos para desempenhar essas funções. Parece evidente que os bloggers possuem mais brio profissional que... os profissionais!
É o caso de Rui Dinis, mentor d' A Trompa, excelente blog acerca da música actual (e não só). Podem dar uma vista de olhos na sua análise do À Bolina e no atento trabalho que ele publica.

4.2.06

Jazz History Map

Para lerem melhor os períodos, cliquem na imagem.
Fiz este mapa cronológico baseado nas minhas pesquisas. É mais fácil ficarmos
com uma ideia mais precisa, ao visualisarmos um gráfico, em vez de um texto.

26.1.06

À Bolina no Mug Music


O cd "À Bolina" teve a honra de análise por parte de um melómano e blogger.
Podem ler o texto e visitar o seu blog clicando em:
Mug Music

25.1.06

Só dão por nós,... lá fora???








San Francisco Global Jazz Radio

É incrível como me descobriram em S. Francisco, Califórnia, onde a Global Jazz Radio destacou o cd "À Bolina" como uma das escolhas de Jazz dessa semana, para além de uma elogiosa crítica ao meu trabalho! No meu País, as estações de rádio nem sabem que eu existo, ou preferem ignorar os Músicos nacionais... E nos E.U.A, o que não faltam são excelentes Jazzmen! Enfim... Mas vejam vocês mesmo e linkem acima...